Plano de saúde não pode limitar tempo de internações e tratamentos

Planos de saúde não podem limitar tempo e valor das internações e tratamentos dos associados

Constantemente, os associados aos planos de saúde deparam-se com cláusulas abusivas, que limitam o tempo de internação e o valor do tratamento, sem saber que já existe proteção legal e jurisprudencial contra esta espécie de abusividade.

A Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, prevê que a cobertura de atendimento é obrigatória, mas restringe tal atendimento aos casos de emergência e urgência.

Observe-se a redação do artigo 35-C da Lei 9.656/1998:

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

I – de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizada em declaração do médico assistente; e

II – de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional.

Com a edição da mencionada Lei, a abusividade relativa à limitação de tempo foi erradicada, mas a falta de proteção dos associados persistiu nos casos que não se encaixam em emergência ou urgência.

Todavia, o Código de Defesa do Consumidor complementou a referida Lei, embora seja anterior a ela, através do disposto em seu o artigo 51, inciso IV, que determina a nulidade das cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de serviços que estabeleçam obrigações abusivas e que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. Assim:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Desse modo, através da combinação das normas acima citadas, os associados aos planos de saúde ficaram protegidos contra a limitação temporal para tratamentos e internação, pouco importando a gravidade do caso, tendo em vista a situação de desvantagem exagerada que poderia ser instaurada.

É importante mencionar que o tema saúde possui expressa proteção constitucional, conforme se infere nos artigos 6º, 24, XII e 196 da Carta Magna:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Sem dúvida, a discussão sobre a saúde tem proteção constitucional e as cláusulas restritivas de tempo de internação devem ser interpretadas à luz das normas consumeristas, pois colocam o consumidor em desvantagem exagerada frente aos planos de saúde.

Nesse sentido, veja-se o entendimento jurisprudencial:

APELAÇÃO CÍVEL – PLANO DE SAÚDE – UNIMED – DENUNCIAÇÃO A LIDE DA CONTRATANTE – INOCORRÊNCIA – LIMITE TEMPORAL PARA INTERNAÇÃO – APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – ART. 51, IV, DO CDC – ABUSIVIDADE DE REGRAS RECONHECIDAS POUCO IMPORTANDO A ANTERIORIDADE DO DIPLOMA CONTRATUAL SOBRE A LEI 9.658/98 – RECURSO IMPROVIDO – Nos contratos de plano saúde a abusividade das regras contratuais pode ser conhecida independente da celebração ser anterior a Lei 9.656/98, porque, a prevalência do tema saúde tem primazia sobre discussão de valores segundo princípios constitucionais arraigados na carta magna. (TJMT – AC 34423/2008 – 1ª C.CÍv. – Rel. Des. Licinio Carpinelli Stefani – DJe 05.06.2008)

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, sumulou a questão da proibição da limitação de internação hospitalar, determinando que:

Súmula 302 – É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado.

Indiscutível, portanto, que o problema relativo à limitação do tempo de internação foi solucionado favoravelmente aos associados.

Contudo, persistia, até pouco tempo, o problema relativo à limitação do valor das internações e tratamentos.

Recentemente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 326147/SP decidiu que os planos de saúde não podem limitar, também, o valor do tratamento e das internações de seus associados.

Embora a referida decisão ainda não esteja disponível para consulta (o julgamento ocorreu em 21/05/2009), a Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ afirma que, para o relator, Ministro Aldir Passarinho Junior, da mesma forma que não tem lógica determinar contratualmente o prazo de recuperação do paciente (tempo de internação), não se pode limitar o custo do tratamento médico-hospitalar, pois a limitação de valor é mais lesiva que a restrição do tempo de internação, vetada pela Súmula 302 do STJ.

Com base nesta decisão, os planos de saúde não poderão limitar o tempo e o valor das internações e tratamentos dos associados, sob pena violação do artigo 51, inciso IV, do CDC, artigo 35-C da Lei 9.656/1998 e da Súmula 302 do STJ.

É importante esclarecer que, inobstante a Lei 9.656/1998 vincule a obrigatoriedade da cobertura de tratamento aos casos de urgência e emergência, o entendimento jurisprudencial, a Súmula 302 e o recente julgamento do Recurso Especial nº 326147/SP não consideram tal restrição no reconhecimento da abusividade das cláusulas que preveem a limitação de tempo e valor das internações.

A respeito do julgamento do Recurso Especial nº 326147/SP, destaca-se que, a exemplo da limitação do tempo de internação, quando se restringe o valor do custeio, independentemente do estado de saúde do paciente, esvazia-se o propósito do contrato, que é o de assegurar os meios para a cura dos associados.

Além disso, limitar o valor do tratamento seria lesivo ao segurado, pois reduziria a eficácia do tratamento ou da internação.

A Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ afirma, ainda, que o relator questionou como seria a situação de um segurado que é internado sem saber o que tem, não conhecendo seu tipo de cura e, após alguns dias dentro do hospital, é informado de que seu crédito acabou e terá de abandonar o tratamento. E indagou: como saber de antemão quais os custos do tratamento, qual a tabela de cada hospital conveniado e quanto tempo seu crédito vai durar?

Por conseguinte, com a decisão do STJ, que ampliou o alcance da Súmula 302, a tentativa das seguradoras de impor teto de valor aos tratamentos e internações, para contornar a proibição do limite temporal imposto pela súmula, não terá mais sucesso, prevalecendo a proibição de cláusulas restritivas de tempo e valor e, acima de tudo, a proteção e defesa do direito constitucional à saúde.